29 março 2016

Com pequenas mentiras perdemos grandes pessoas.


"Ninguém gosta de mentiras, por mais piedosas ou pequenas que sejam. Não é bom que decidam por nós o que devemos ou não devemos saber, como devemos fazer e por quem devemos enterrar algo.


Não há nada mais avassalador que a mentira e a hipocrisia, pois ambas nos fazem sentir como se fôssemos pequenos e vulneráveis, nos fazem desconfiar do mundo e criar uma proteção de gelo que acaba nos rompendo por dentro. Por isso, com pequenas mentiras perdemos grandes pessoas porque mil verdades são colocadas em dúvida e centenas de sentimentos que acreditávamos serem sinceros também.

A enganação alimenta o mau costume de manipular e fragmentar as experiências e os sentimentos alheios, algo que nos converte em vítimas e que acaba sendo intolerável na hora de procurar o bem-estar e o conforto dentro de uma relação.

Eu gosto que me digam a verdade, e eu verei se dói ou não.

Quando um sentimento tão importante como a confiança se quebra, algo se despedaça em nosso interior. É verdadeiramente triste que boas relações e amizades sejam destruídas por culpa de algo que poderia ter sido evitado.

De fato, quando nos damos conta ou descobrimos que fomos enganados, geralmente pensamos que por mais dura que pudesse ser a realidade, poderíamos tê-la suportado muito melhor que a traição de nossa confiança.

Quando descoberta, a mentira sempre provoca mais dor que a verdade. Além disso, não devemos esquecer que o fato de que a verdade um dia seja revelada é algo muito provável pois, como bem sabemos, a mentira tem perna curta.

De qualquer modo, cabe dizer aqui que não podemos exigir sinceridade e sempre nos ofendermos quando alguém fala a verdade, sendo essa dita com respeito. Isso é importante porque muitas vezes consideramos uma pessoa sincera chata ou “mala”, menosprezando os atos de boa fé.

Seja como for, sempre devemos tentar olhar tanto o engano e a mentira, assim como a sinceridade, sob diferentes prismas. Porque por vezes é tão duro dizer algo que simplesmente fica impossível dizê-lo.

A sinceridade é a base de toda a confiança.

Todos temos a crença explícita e implícita de que a qualidade de uma pessoa depende de sua capacidade para ser sincero e para se mostrar com clareza perante o mundo e perante as pessoas que a rodeiam.

Do mesmo modo, pressupomos que a base de todo carinho sincero é precisamente a aceitação total e absoluta, sem poréns, condições ou desculpas. Ou seja, em princípio entendemos que não temos que mentir nem ocultar nada a quem queremos bem e a quem nos quer bem.

Mas talvez, quanto mais carinho exista numa relação, mais expectativas sejam criadas. O simples fato de crer que vamos um dia decepcionar as esperanças e expectativas que os outros depositam em nós nos faz, em algumas ocasiões, cometer o erro de crer que pequenas mentiras podem ser justificadas se nesse contexto.

Como vínhamos dizendo, no entanto, isso não ocorre dessa forma. Por muito que nos custe entender, devemos parar para pensar o que nos decepciona mais, a falta de sinceridade ou a verdade, apesar de esta comprometer momentaneamente o ideal que os demais têm de nós.

Todos cometemos erros, mas podemos pensar que ocultar o que não se pretende dizer é um erro a mais. É nossa responsabilidade contemplar todas as possibilidades e ser tolerante com os outros do mesmo jeito que gostaríamos que fossem tolerantes conosco.

Partindo desse ponto, cabe a nós analisar se somos capazes de perdoar ou não e como podemos lidar com a situação. E mesmo assim, não podemos nos esquecer de que o fato de que exista o perdão não deve ser uma justificativa para que machuquemos os outros ou os outros nos machuquem.

No final, são as relações de carinho sincero as que são capazes de suportar qualquer verdade e toda a realidade que a acompanha. Mesmo assim, as mentiras podem destruir e devastar a confiança, algo que custa centenas de experiências para construir e apenas um segundo para quebrar.

Devemos, portanto, ter bastante cuidado nesse ponto, que é o mais importante ou ao menos um dos mais importantes de nossas relações afetivas de trocas positivas. Não esqueçamos que a mentira, por mais dura que seja, é uma ótima oportunidade para crescer e selecionar melhor as pessoas que nos rodeiam."

04 março 2016

Ontem me mataram.

"Ontem me mataram.
Neguei-me a deixar que me tocassem e com um pau arrebentaram meu crânio. Me deram uma facada e me deixaram morrer sangrando.
Como lixo, me colocaram em um saco de plástico preto, enrolada com fita adesiva, e fui jogada em uma praia, onde horas mais tarde me encontraram.
Mas, pior do que a morte, foi a humilhação que veio depois.
Que roupa estava usando?Não, preferiram começar a me fazer perguntas inúteis. A mim, podem imaginar? Uma morta, que não pode falar, que não pode se defender.
Por que estava sozinha?
Como uma mulher quer viajar sem companhia?
Você se enfiou em um bairro perigoso. Esperava o quê?
Questionaram meus pais, por me darem asas, por deixarem que eu fosse independente, como qualquer ser humano. Disseram a eles que com certeza estávamos drogadas e procuramos, que alguma coisa fizemos, que deviam ter nos vigiado.
E só morta entendi que para o mundo eu não sou igual um homem. Que morrer foi minha culpa, que sempre vai ser. Enquanto que se o título dissesse foram mortos dois jovens viajantes as pessoas estariam oferecendo suas condolências e, com seu falso e hipócrita discurso de falsa moral, pediriam pena maior para os assassinos.
Mas, por ser mulher, é minimizado. Torna-se menos grave porque, claro, eu procurei. Fazendo o que queria, encontrei o que merecia por não ser submissa, por não querer ficar em casa, por investir meu próprio dinheiro em meus sonhos. Por isso e por muito mais, me condenaram.
E sofri, porque já não estou aqui. Mas você está. E é mulher. E tem de aguentar que continuem esfregando em você o mesmo discurso de fazer-se respeitar, de que é culpa sua que gritem que querem pegar/lamber/chupar algum de seus genitais na rua por usar um short com 40 graus de calor, de que se viaja sozinha é uma louca e muito seguramente se aconteceu alguma coisa, se pisotearam seus direitos, você é que procurou.
Peço a você que por mim e por todas as mulheres que foram caladas, silenciadas, que tiveram sua vida e seus sonhos ferrados, levante a voz. Vamos brigar, eu ao seu lado, em espírito, e prometo que um dia seremos tantas que não haverá uma quantidade de sacos plásticos suficiente para nos calar."
(Texto de Guadalupe Acosta, retirado da reportagem: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/02/internacional/1456911848_192026.html)